quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O eterno retorno - a natureza de cada um.

Não tenho a memória exata de quando comecei a me interessar pelo "mundo sensível", mas tenho a memória de sempre ter sido um pouco diferente da maioria dos meus amigos de infância. Tinha gostos pra tudo diferente de todos e, lembro também uma preferência por dias nublados, o que, segundo psicólogos e meu pai, era uma propensão à uma personalidade depressiva e na melhor das hipóteses, melancólica (prefiro a segunda opção porque, segundo minha amiga Paloma, a melancolia tem certa beleza). Hoje, eu adoro dias ensolarados, desde que eu não esteja exposta a ele e adoro curtir o pôr-do-sol, o que, de certa forma, confirma o meu lado melancólico. Ainda assim, não deixei de gostar de dias nublados.

De fato, fui uma adolescente meio rebelde e em algumas fases sofri de uma certa misantropia, que é uma aversão ao convívio social. Isso me fazia sofrer. Mas isso se deu porque eu entrava em conflito com determinados meios sociais aos quais eu não me adaptava muito bem, então, tendia a viver em certo isolamento e meu lugar preferido era o meu quarto, uma espécie de mundo mágico, onde eu criava meus próprios amigos, grafitava as paredes, escutava as músicas de minha preferência e dançava sozinha sem correr o risco de ser julgada pelos meus gostos "estranhos".

Gosto da metáfora do clima, das estações. Uma analogia aos nossos estados da alma. Afinal, somos como a natureza, há dias de sol, dias nublados e até de tempestades. A bonança vem sempre como uma luz lateral de fim de tarde, aquela que tem um brilho mágico de por-de-sol, cuja contemplação nos faz confundir se a luz é fora ou dentro da gente e ficamos meio bobos, quase embriagados.

Não, não são todos que experimentam tal percepção, como não são todos que percebem a verdadeira essência de um amigo ou ainda de um filme, um poema ou uma obra de arte. Para alguns esta é uma conversa de doido. E afinal, era assim que a maioria dos meus amigos de infância e adolescência me viam.

E talvez seja esse deslumbramento quase pueril que me acompanha por toda uma vida e que não sei bem como ou quando começou, que me trouxe aonde estou e me transformou no que sou hoje. Eu cresci, amadureci, ganhei responsabilidades e compromissos de gente grande, mas meu coração continua sendo como o de uma menina descobrindo o mundo, cheia de sonhos, apaixonada por artes e pessoas, porque não consigo conceber um sem enxergar o outro, a essência.

E por ser assim, perceptiva (sem entretanto, conseguir explicar sempre o que sinto e percebo), também me tornei uma pessoa inquieta e crítica. E acho que é por isso que eu sempre tive muita dificuldade em responder a pergunta "o que você faz?" ou "qual a sua profissão?". Primeiro porque sendo inquieta, experimentei muitas coisas (algumas por escolha própria, outras porque a roda da vida se se encarregava do destino); segundo porque minha alma de menina quer muitas coisas ao mesmo e como toda menina, há dificuldade de fazer escolhas (isso deve ser um trauma mal resolvido de infância e que qualquer hora eu trato em um divã), então, eu quero ser professora, designer, produtora, artesã... tudo ao mesmo tempo (rsrs); em terceiro lugar, eu realmente gosto das coisas que faço na mesma proporção e, nas coisas que faço procuro sempre fazer o melhor dentro das minhas condições, de forma que acabo dando o mesmo grau de importância a tudo o que me proponho fazer. É claro, que uma pessoa assim acaba sofrendo algumas frustrações na vida, afinal, nem sempre conseguimos os resultados que almejamos.

Mas acho que estou começando a virar gente grande. Sabe gente, eu demorei a aceitar sala de aula como profissão. Acho que era insegurança e agora que estou lá, tanto com as crianças especiais, como com os adolescentes da rede pública, não me sinto desconfortável. Confesso que desconfortável e frustrada eu me sentia por não exercer a minha profissão de formação, mas agora que estou lá, nem doeu. Ensinar artes é um barato, porque descobri que posso fazer com os meus alunos o que eu queria fazer com os meus amigos de infância e juventude e não conseguia: trazer eles para o meu mundo; ser a louca apaixonada pelas coisas do mundo sensível e poder compartilhar isso sem ser rotulada de "a estranha".

Agora, mesmo atarefada e meio atrapalhada ainda (tenho 18 turmas em 3 escolas), não consigo abandonar a criação. Amo desenhar as bolsas, amo elaborar cada detalhe, amo estar envolvida em processos criativos e adoro a vaidade branca de ter uma marca com coisas criadas por mim. Encontrei nos desenhos das peças uma forma de me expressar, de falar também de mim, como quem pinta um quadro. E ainda que seja difícil realizar os projetos, já não sei mais viver sem fazer isso. E viva a multi-funcionalidade!

Foi pensando em tudo isso que concluí após três décadas de existência que eu nunca seria feliz sendo outra senão aquela que conheci a mim mesma, nos meus sonhos de menina. E foi preciso a roda da vida ter dado muitas e muitas voltas e ter mudado o meu destino várias vezes (e foi preciso), que voltei às minhas origens idiossincráticas, aquilo que na verdade nunca deixei de ser e de sonhar, dos tempos de quando eu ainda não tinha certeza de que queria ser uma professora de artes, mas que já tinha a certeza de que era no mundo das artes, da criação e da sensibilidade que haveria de me sentir mais confortável e com um lugar ao sol nesse mundo. Bem, ao menos disso, já não tenho mais dúvidas.

Hoje eu sou professora de artes e designer da minha marca independente, a Pomar. Com orgulho.
Muito prazer, eu sou Silvana.

2 comentários:

Carolina - ModaEstilo disse...

Sil que linda história de vida a sua e que lindo ser humano vc é!
Obrigada por dividir com a gente um pouquinho de vc!
Bjs e parabéns por tudo que conseguiu até hoje...tenho certeza de que vem mais coisa boa pela frente!

Nega disse...

Pois é, né. Como eu poderia deixar de te amar???
Guerreira, forte, mulher.
bjks em ti!!